Por Andréa Moraes*, Biscate Convidada
Uma das notícias mais compartilhadas nas redes sociais durante a primeira semana de março foi a do professor da UFRN que censurou a aluna por levar sua filha pequena para a sala de aula. Não vou escrever sobre o que eu acho da sala de aula, se é ou não lugar pra criança: esse não é o tema aqui. Como professora de universidade, já recebi algumas vezes alunas com seus filhos em minhas aulas e nunca tive problemas com isso. Não me recordo nem de ter ficado inquieta com o assunto, embora ache que a creche pública é das coisas mais fundamentais que qualquer sociedade deve prover aos seus cidadãos. Mas não é sobre isso que eu quero falar.
Fiquei foi pensando nessa vida que temos: parir e criar filhos, trabalhar, estudar, e todo o resto. Fiz meu doutorado grávida. Juca nasceu no primeiro ano do curso. Engravidei por escolha própria e sabia que estava topando a tarefa árdua de criar um menino, fazer uma tese e trabalhar (só tive licença parcial do meu trabalho). Tinha condições de financeiras de bancar uma creche, tinha uma trabalhadora doméstica que fazia todo o serviço da casa, minha mãe vinha algumas vezes me dar um help; a boa e velha rede feminina. Eu e o pai do Juca nos separamos quando ele ainda era pequeno, mas o período de guarda compartilhada também contribuiu para desafogar a agenda da semana. Enfim, dadas as condições objetivas, deu pra fazer tese, trabalhar e me dedicar ao filho. Fiquei cansada? Fiquei. Me arrependo? Não. Bem, mas essa sou eu, e eu não sou parâmetro pra nada. Aliás, ninguém é, embora nesse mundo das redes sociais as pessoas tendam a achar que suas vidas privadas são a régua universal.
Nem todo mundo engravida de forma planejada, como advoga a cartilha da maternidade competente. E não é porque as mulheres são desmioladas, há uma série de motivos que podem levar a uma gravidez em um momento da vida que não é considerado ideal. Não pretendo me estender sobre isso aqui. Uma vez mãe, com seu bebê no colo, a vida segue: tem trabalho, tem vida social, tem estudo, tem a pessoa além da mãe. Esse talvez seja o nó da questão. Tem uma pessoa que é mais do que “a mãe de”, está para além da “mãe de”, e vivemos em um mundo onde essa ideia da individualidade da mulher é um obstáculo tremendo. A negação da condição de sujeito da mulher é, no fundo, a raiz do incômodo com as crianças circulando no espaço público. Para ter seu filho consigo em sala de aula, a aluna tem que fazer referência à sua falta de condições para pagar creche ou à ausência de vagas em creche pública, tem que dizer que está sozinha ou que o pai da criança também tem suas obrigações (e ele é, obviamente, considerado um indivíduo pleno, enquanto ela não é), tem que afirmar todas as suas faltas e carências para poder viver para além da maternidade. É um paradoxo, como já dizia Joan Scott, ao lembrar que o feminismo assenta sua história na exigência de afirmação da diferença pra poder conquistar a igualdade.
Nós, mulheres, vamos assim: vivendo nossas vidas paradoxais, testando os limites do que é ser indivíduo no mundo. Precisando marcar a diferença, na luta para sermos vistas como iguais.
*Andrea Moraes é carioca, pisciana, estudou antropologia e atualmente é professora universitária. Gênero e feminismo são temas de seu interesse constante.