Não basta marchar

Feminismo é coisa séria. Não adianta lavar a louça e dividir tarefas, levar o lixo lá fora, não trepar só papai e mamãe e flexibilizar a fidelidade, o negócio é mais embaixo, é mais molhado e tem mais balacobaco e mexelância do que sonha nossa vã Filosofia.

Sou do partido de que não existe homem feminista, no máximo simpatizante. Porque a dor e a delicia de ser mulher e um tanto complexa pra ser encarada assim a seco por quem não menstrua.

Não é só no caso do feminismo, mas também no anti-racismo ou na anti-homofobia. A gente se aproxima, abstrai, se coloca no lugar, mas o brancão macho hétero no máximo adivinha, ele não tá lá, não sente, não é o alvo da pancadaria.

No lance do feminismo rola inclusive uma questão que é o do ganho de sex appeal que o malaco adquire quando sai da ogricidade machistona e parte pro lado dos cabras sensíveis que padecem do feminismo blasé e dançam no salão hipster da ideologia. Um homem moderno, liberto de preconceitos é naturalmente mais legal que o naipe babacão dos testosteronamen cérebro zero, vamo combiná! Tá ali o pleiba musculoso zé ruela e o barbudão todo trabalhado na Beauvoir, às vezes musculoso também e o caldo entorna pro figurante de malhação que não rima lé com cré.

A gente entende rapaziada, a gente entende! Só que a coisa fica levemente afro-brasileira quando o nego preto esquece que não basta ir na marcha das vadias se ele acha que a mina ali, aquela ali toda trabalhada na transformação do mundo contra a opressão do patriarcado, é parte dos móveis e utensílios do quarto do bacana.

Não fidalgo, não! Não mete essa! Não basta marchar, tem de participar!

É aquilo que se diz nas quebradas e ladeiras: O que é do homem o bicho não come, mas o homem tem no máximo ele mesmo e suas circunstâncias, capisci? A moça é dela e se ela quiser ficar ai do teu lado pós-marcha das vadias a distribuir contigo as manhas e artes de sua digníssima. Se ajeite com ela e dê graças a Deus! Tira essa roupa pesada, vá curtir, deixe fora seus chinelos, sua vaidade, seu medo de morrer e a corrente da propriedade, porque mulher não é fusquinha, viu?

Vamo combiná que a macharada anda no erro faz tempo e não ajuda muito tentando controlar as moças com leis, regras, morais, ideias erradas e uma mania de proteger as minas delas mesmas. Ai o caboclo dá um rolé na feministariedade, se banha na arte e na alegria da luta de gênero, toma uma cerveja, cita dois capítulos e acha que tá maneiro, mas sem mudar a si como mudar o mundaréu perdido nas encruza?

Tá, entendo que tem hora que a gente acha com nossas bolas que tá tudo beleza na cabeça, mas cá dentro não mexeu muito com clareza nos buracos de bala de anos de educação machista. Anos mesmo, e com uma educação que nos diminuía se rolasse lágrima e beijo em outro homem, imagina se a gente deixasse as mina mandando nelas quando era “nosso papel” controlar o planeta e fazer o Deus Mandão feliz? Dava merda! Tu sabe! Eu sei!

Entendo também que é fácil se agarrar no quengo cheio de ideias e achar que elas nos transformam automaticamente e mais ainda, que aquela piada, aquele gesto, aquele olho, aquele pequeno egoísmo, são isolados e não são uma parte da opressão de gênero, porque a gente superou, né campeão? Só que não, mano! Superou nada! Tá ali o machismo embaixo da cama, te olhando enquanto tu lê o jornal, só de esgueio e na crocodilagem.

E não vai sair fácil se tu achar que basta ter a ideia na cabeça e um cartaz na mão pra se livrar dele. Machismo é que nem a Tijuca, tu poda tirar o cara de lá, mas tirar a Tijuca do malandro é caso pra babalorixá baiano.

Então meu nego, não se perca na ilusão dessa marcha toda que a gente apoia, adora, chafurda! A gente tá ali de apoio e precisa andar mais do que andamos, precisamos olhar pra dentro. A gente precisa sacar que o buraco é mais embaixo e que se deixar o corpo mais leve, a cabeça mais leve, abrir o coração, soltar os medos, soltar as vergonhas, soltar a mão, deixar ir e voltar, querer ir e voltar, provar, se a gente voar e deixar voar talvez o bicho escondido fuja, mas ele não foge de cansaço, talvez fuja de medo.

Complete a si mesmo contigo, tira a roupa, vá na frente da tua alma, respira fundo, te olha, olha a moça, sugue dela , deixa-a sugar, te solta, vá dentro, fora, dos lados, coma e deixe comer. E deixe a menina! Te garanto que se olhares pra ti e pra ela como ela e como tu, na manha do lençol e do coração ela volta. Ela não é tua, tu não é dela, mas ambos sabem o caminho.

Sobre Gilson Moura Henrique Junior

Historiador e militante anarco ecologista, municipalista libertário, raivoso e porra louca. Autor dos Blogs "jornalista Incidental" , "Na Transversal do Tempo", "Das humor", tricolor e humorista nas horas vagas.
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8 respostas para Não basta marchar

  1. Danieli disse:

    Adorei o texto! Parabéns Gilson! Beijo

  2. Teresa Font disse:

    Eia! Que grande texto, Gilson!

  3. Um texto muito, muito bom, com alguns pontos com os quais discordo. Dois deles, que acho importante pontuar:

    Não acho impossível um homem feminista, o feminismo não é um dado da natureza, mas um aprendizado cultural que envolve respeito ao outro, busca de direitos e compreensão dos seres humanos, todos, com direito à liberdade e expressão. Não vejo porque os homens seriam impedidos de sentir/compreender isso.

    Além disso, é sempre complicado relacionar mulher com aspectos da natureza. Porque isso é excludente, afinal as mulheres trans* também convivem e sofrem com o machismo. Além disso, todo aspecto “natural” do corpo da mulher não se apresenta no conjunto nem mesmo das mulheres cis*.

  4. Ana Maria disse:

    Adorei o “barbudão todo trabalhado na Beauvoir”!

  5. Silvia Sales disse:

    Um ajuste aqui e ali, mas sem prejuízos ao entendimento do texto, à mensagem que vocês quis registrar. Gostei muito, Gilsão. Beijunda.

  6. Leda Ferreira disse:

    “Porque a dor e a delicia de ser mulher e um tanto complexa pra ser encarada assim a seco por quem não menstrua.” => E as mulheres que não menstruam? E as mulheres trans*, que não tem útero? Elas não tem como encarar a dor e a delícia de ser mulher?

  7. Lu Gomes disse:

    Show, uma leitura gostosa.

    Um texto bem informativo e de fácil acesso. é bem assim que a cena esta carente mesmo, dessa aproximação com o povão que não lê e é tão carente de comunicação.

    Tbém tenho esse ponto de vista referente homens não serem feministas, pois, tod@s nós estamos na caminhada do descobrimento e evolução. Sim eles contribuem muito, principalmente por terem passagem livre no campo opositor. Sou muito grata, mas até mulher tem dificuldade de ser feminista, imaginem do sexo oposto.

    Mas tranquilo, se querem se identificarem como, são muito bem vindos. 🙂

    Parabéns Gilson.

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